Como é conviver com um carro elétrico sem ter opção de recarga doméstica? Após o teste padrão, com a medição de desempenho e principais aspectos do Renault Zoe, desta vez ficamos com o carro por um período mais prolongado para uma impressão mais realista sobre andar no dia a dia com esse tipo de veículo, que ainda é novidade para boa parte dos motoristas.
Na última semana de 2021, o Renault Zoe na versão mais equipada Intense chegou à redação do InsideEVs para esta avaliação de longa duração. E como dissemos, diferentemente do teste, que tem caráter mais técnico, o objetivo aqui é apresentar um olhar diferente sobre o carro elétrico, usando-o nos deslocamentos diários e tarefas cotidianas e tentando "sobreviver" sem ter um esquema doméstico para carregar o veículo, aproveitando os pontos de recarga públicos.
O Renault Zoe Intense é o mais equipado da linha, custa R$ 229.900 e conta com equipamentos adicionais em relação à versão de entrada. No caso, ar-condicionado digital, faróis fullLED, sensor de chuva, acendimento automático dos faróis, rodas de liga leve aro 16", retrovisores externos com rebatimento elétrico, entre outros itens.
Já o sistema de propulsão é o mesmo para as duas versões: um conjunto formado pelo motor elétrico de 100 kW (135 cv) e 24,5 kgfm de torque máximo alimentado por uma bateria com 52 kWh de capacidade.
O Renault Zoe é um carro compacto, e como tal, desfruta de um espaço interno compatível com o segmento, com a vantagem do túnel plano nos veículos elétricos que favorece os ocupantes do banco traseiro e melhora a habitabilidade na parte de trás. Já o porta-malas, considerando o porte do carro, se destaca pela capacidade de 338 litros, equivalente ao de alguns hatches médios.
Recebendo um novo visual externo na reestilização de 2019, o Renault Zoe também atualizou o ambiente interno com um acabamento de melhor qualidade, com elementos das portas e painel revestidos em tecido e que causam boa impressão. Os bancos são confortáveis e acomodam bem o motorista (em que pese a ausência de ajuste de altura), enquanto o volante pode ser regulado em altura e profundidade.
Em termos de tecnologia, o carro elétrico francês já não é mais a última palavra e começa a sentir o peso da idade nesse quesito. No entanto, o Zoe vem equipado com um sistema de informação e entretenimento com tela de 7" de interface amigável e facilidade de acesso às funções.
A conexão com smartphones por bluetooth é fácil e permite ao menos as funções mais triviais como atender chamadas e ouvir música - o espelhamento por Android Auto funcionou bem e não apresentou problemas, enquanto o sistema de som nesta versão apresenta um áudio de boa qualidade.
Nos primeiros dias, durante o período de festas, como não viajei, fiz vários deslocamentos urbanos, como idas ao supermercado e compromissos na própria cidade, sempre em deslocamentos que raramente superavam os 10 km.
Nessas condições, fica evidente uma das principais vantagens dos carros elétricos: o alto torque que fica disponível em toda a faixa de rotação. Mesmo não figurando entre os elétricos mais potentes disponíveis no mercado, o Zoe se desloca com agilidade no trânsito urbano. Definitivamente, não há sensação de falta de potência e mesmo com o modo "Eco" ativado, que poupa energia e limita o desempenho, sempre dá pra sair na frente nos semáforos e acompanhar o fluxo com desenvoltura.
Essa diferença de desempenho é um dos "choques de realidade" (no bom sentido e com o perdão do trocadilho) para nós que ainda estamos acostumados aos carros com motores a combustão. No entanto, ao usar o carro diariamente é natural ir se acostumando com o torque instantâneo e a boa disponibilidade de força, dosando uma condução ainda rápida, mas sem exageros e ao mesmo tempo se acostumando a observar os indicadores de consumo e aprendendo a dirigir com eficiência e sem "castigar" o consumo.
A autonomia declarada do Renault Zoe é de 385 km com uma carga, número que é bastante próximo ao do uso cotidiano. No entanto, elementos como o estilo de condução, condições do terreno e até a temperatura ambiente influenciam no resultado final.
Usando o carro predominantemente na cidade em trajeto curtos e rodando muito pouco por vias expressas, o consumo normalmente fica ao redor dos 14 kWh/100 km, ou 7,1 km por kWh, que multiplicado pela capacidade total de 52 kWh úteis da bateria resulta em 369 km de alcance, um número pouco abaixo do dado oficial. Isso usando o modo ECO praticamente o tempo todo e também o modo B (regenerativo).
Um ponto positivo do Zoe é a ativação muito fácil do modo de regeneração de energia, bastando um toque na alavanca do seletor de marchas para trás quando este estiver na posição "D", bastando um novo toque para retornar à posição normal. Tudo é muito simples, e destaco isso considerando que em alguns carros elétricos é necessário acessar o menu de configuração ou alguma função no quadro de instrumentos para fazer essa alteração.
Uma vez selecionado o modo "B", você imediatamente sente o pedal um pouco mais "preso" e a frenagem bem ativa. Ao acelerar e soltar o carro é bem perceptível a intensidade do freio motor, embora seja bom destacar que o uso do pedal do freio ainda é necessário, ou seja, o Zoe não conta com o modo "One pedal" (um pedal), já disponível em alguns carros elétricos - nesse modo, a frenagem e a regeneração são bem mais intensas, na prática, dispensando o pedal do freio.
De todo modo, é bem perceptível a recuperação de energia, que pode ser notada pela indicação específica no painel e também pelo aumento na estimativa de autonomia em tempo real, principalmente em trechos planos com trânsito livre e nas descidas acentuadas, naturalmente. Em tempos de combustível caro, é reconfortante ver o alcance do carro aumentar enquanto se está dirigindo.
Ponto crucial no dia a dia do carro elétrico, a recarga foi um dos nossos primeiros questionamentos assim que o Zoe chegou à redação. O carro é fornecido pela Renault sem o carregador de bordo, o que tornou o desafio ainda mais difícil (moro em apartamento e não tenho opção de recarga doméstica).
Dito isto, logo no primeiro fim de semana planejei uma viagem ao litoral (Baixada Santista), levando em conta a necessidade de recarregar o Zoe no meio do caminho, mais precisamente na região do ABC. Usei o aplicativo PlugShare e encontrei duas possibilidades no caminho: o atacadista Makro na via Anchieta e uma segunda opção no Shopping ABC Plaza.
Ao chegar no estacionamento do atacadista, havia apenas um carregador, que estava ocupado, então decidi ir para o segundo local, o shopping. Após seguir as indicações do aplicativo, localizei rapidamente a estação de recarga no subsolo, que tinha dois carregadores da Volvo, ambos desocupados. Coloquei o Zoe para carregar (a previsão de carga completa com o carregador de 7 kW era de aproximadamente 2 horas).
Assim, fui dar uma volta no shopping e ao voltar a luz indicadora do carregador estava apagada. Logo de cara pensei: problema. E não deu outra, o carro não havia carregado nada, ou seja, o carregador falhou e desligou. Como já era tarde, havia passado das 12 hs, abortei a missão e voltei para casa.
Durante a semana utilizei a carga restante do carro, que foi suficiente para ir e voltar da redação. No fim de semana, escolhei outro ponto de recarga, desta vez no Tietê Plaza Shopping, na zona oeste da capital, onde encontrei dois carregadores BMW de 22 kW, ambos desocupados. Deixei o carro carregando e fui almoçar no shopping e cerca de 1 hora 30 minutos depois a carga estava completa.
Na semana seguinte optei por novamente por carregar no Makro, mas desta vez no Butantã, também na zona oeste de SP. Ao chegar, usei a único carregador disponível, um equipamento da BYD com 40 kW, que estava desocupado. Cerca de 1 hora depois o carro estava com 93% da carga, tempo que usei para as fazer as compras do fim de semana.
Para a próxima recarga, escolhi um novo local, o hipermercado Carrefour Villa-Lobos, na mesma região da capital paulista que os equipamentos anteriores. Este, no entanto, é da empresa Tupinambá, que fornece um aplicativo para a localização dos pontos de recarga e informa se os mesmos estão ocupados ou não.
Como o carregador, que tem 22 kW, fica na mesma rua que a redação do InsideEVs, fiz a reserva pelo aplicativo e me dirigi rapidamente ao local. Para carregar basta conectar o plugue e depois liberar a recarga apontando o celular para o QR Code na tela do equipamento - 1 hora e meia depois, tudo ok, carga completa. Nesse caso foi a recarga mais cômoda durante a convivência com o Zoe, pois pude continuar trabalhando enquanto o carro era carregado.
No último dia, antes de devolver o Zoe, fiz uma carga parcial em outro equipamento da Tupinambá, este localizado no Carrefour Butantã, que fica integrado ao Shopping com o mesmo nome. O equipamento estava vago e funcionou normalmente; como não havia necessidade de carregar completamente, o processo foi rápido e durou cerca de 30 minutos.
Embora a proposta do Renault Zoe, assim como a maioria dos carros elétricos, é de ser um veículo de uso mais urbano, penso que com um certo planejamento seja possível fazer viagens curtas.
Lembrando que no primeiro fim de semana com o carro planejei a ida ao litoral, que acabou sendo abortada, desta vez, com a bateria totalmente carregada (autonomia de 380 km no painel), resolvi encarar a viagem, saindo no sábado pela manhã com e com o objetivo de voltar no mesmo dia, o famoso 'bate e volta'.
Neste dias, rodando 90% do tempo na cidade, usei o modo "Eco" praticamente o tempo todo. Ao sair rumo ao litoral, mais precisamente a cidade de Santos (SP), só desativei o modo mais econômico ao entrar na Rodovia dos Imigrantes, porque este limita a velocidade máxima a 100 km/h e diminui as respostas. Com isto, o carro ficou mais "solto" em termos de desempenho, mas ainda com a frenagem regenerativa ativada.
Nos primeiros quilômetros, rodando entre 100 e 120 km/h o carro se mostrou eficiente, entregando uma ótima desenvoltura e ao mesmo tempo regenerando bastante energia nas descidas - diferente da cidade, o modo "B" quando usado na estrada não parece "segurar" tanto o carro, o que favorece a tocada.
Após cerca de 20 km, surge um congestionamento por conta de um acidente. Após praticamente 40 minutos quase parado, a trânsito volta a fluir e consumo baixou muito pouco (1% da bateria), outro ponto favorável dos carros elétricos, o baixo consumo de energia nessas condições de engarrafamentos.
Trânsito voltando a fluir, seguimos viagem sem problemas. Na descida da serra, com trânsito intenso, mas sem paradas, a velocidade ficou em torno de 60 km/h, suficientes para ajudar na regeneração e ainda chegar ao fim da descida com 2% adicionais na carga da bateria. Na baixada, trânsito completamente livre e chegada ao centro de Santos com 280 km de autonomia e 80% de capacidade da bateria, nada mal.
Rodei cerca de 20 km pela cidade e decidi fazer uma recarga antes de retornar à São Paulo, em um estação de recarga localizada pelo aplicativo PlugShare, que fica no Praiamar Corporate, um prédio corporativo com algumas lojas abertas ao público.
Ao chegar no local havia 4 carregadores Weg com capacidade 22 kW, sendo que apenas 1 estava ocupado. Ao conectar o plugue e aguardar alguns segundos, surge a seguinte mensagem de erro no painel: não é possível carregar em AC, e por conta disso não foi possível fazer a recarga.
Recarga frustrada, era hora de encerrar o passeio e voltar a São Paulo. Por sorte, não contei a necessidade de carregamento no litoral, pois, segundo meus cálculos a autonomia do carro seria suficiente para ir e voltar.
Diferentemente da ida, o retorno conta com a subida da serra e um trecho rodoviário em grande parte com elevação, o que não favorece o consumo do carro elétrico. Ainda assim, cheguei ao destino no final do dia após percorrer 270 km com ar-condicionado ligado 80% do tempo e com 27% da carga da bateria disponível, o suficiente para rodar 90 km de acordo com a indicação no painel.
Um mês ao volante de um carro elétrico foi uma experiência extremamente positiva e serviu para mostrar não apenas como esse tipo de veículo é um caminho sem volta, por conta de suas vantagens já citadas, como eficiência, praticidade, desempenho e amigabilidade ambiental, mas também por proporcionar um novo jeito de enxergar o carro, como algo mais integrado ao nosso dia a dia.
E sobre a pergunta inicial a reposta é: Sim. É possível dirigir um carro elétrico sem ter um ponto de recarga doméstico, mas há algumas ressalvas. Depende muito da infraestrutura da região onde você mora e também de um planejamento mais detalhado em termos de trajeto e tipo de deslocamentos - uma mudança de comportamento.
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