Com carro elétrico é assim: se você ainda não tem um wallbox ou um simples disjuntor para recarregar a bateria na garagem, sua programação de fim de semana vai mudando conforme as indicações do mostrador de autonomia.
Pegamos o novíssimo Volvo C40 Recharge numa quinta-feira. A boa notícia é que o carro estava conectado ao wallbox da concessionária Volvo onde fomos buscá-lo para uma avaliação de cinco dias. A má notícia é que sua bateria - de 78 kWh - estava com 64% de carga, o que nos deixaria bem longe de atingir os anunciados 444 quilômetros de alcance (padrão WLTP). A grande tela vertical do painel nos prometia apenas 180 km de autonomia, mesmo pisando leve, mas tínhamos pressa de conhecer o modelo.
Os primeiros navios com 200 unidades do C40 estão chegando por esses dias ao porto de Cariacica, no Espírito Santo. E esse lote inicial já se esgotou rapidamente na pré-venda, apesar do preço pedido de R$ 419.950, mostrando que a demanda pelos elétricos está crescendo. Repare só nas ruas: já é comum ver um Nissan Leaf aqui, um Porsche Taycan acolá, sem falar nos incontáveis furgõezinhos de entrega BYD eT3.
A Volvo sabe disso e radicalizou. O XC40, que em 2021 foi o best-seller da marca no Brasil, já não chega mais na versão híbrida plug-in e agora só vem como 100% elétrico.
O mesmo acontece com o recém-apresentado C40, que estreia por aqui em versão única, a Recharge P8 AWD. O novo modelo nada mais é do que um XC40 com mais caimento na parte traseira do teto - um estilo de carroceria "SUV cupê" que anda muito em voga.
Por baixo, o C40 é idêntico ao XC40. A mesma plataforma, o mesmo entre-eixos (2,70 m), o mesmo comprimento (4,43 m) e o mesmo peso (2.185 quilos). Até a capacidade do porta-malas é igual (413 litros com o tampão fechado). Carregamos ali cinco grandes sacos de terra, de 25 quilos cada, além de algumas bolsas cheias de fibra de coco, e não faltou espaço. E mais: sob o capô dianteiro - onde iria o motor em um carro convencional - há um espaço para pequenos volumes.
Por dentro, o C40 parece um velho conhecido para quem já andou no XC40 Recharge - mas há duas novidades em relação ao irmão mais velho. A que salta mais aos olhos é uma original aplicação de carpete nas laterais de portas, combinando com a pintura da carroceria. "Nosso" C40 Fjord blue veio com carpete azul nas portas e no piso. As demais cores de carroceria são combinadas com interior bege ou cinza.
A outra diferença é que só o C40 traz um teto panorâmico. Esse grande vidro não pode ser aberto por conta de sua curvatura. Tampouco tem uma cortina, nem fica magicamente opaco ao toque de uma tecla, como no BMW iX. Tal característica pode ser atraente na Suécia mas, em uma cidade ensolarada como o Rio, esquenta muito a cabine e dá trabalho extra para o ar-condicionado.
Os bancos são revestidos com o tecido sintético Mycrotech, que mistura fibra de seda e uma trama plástica. Nas laterais de portas, acima das partes forradas com carpete, há uns painéis translúcidos que se iluminam de branco, criando um efeito de LEDs muito bonito. É como entrar em uma loja da IKEA - sensação geral é mais de limpeza e modernidade do que de alto luxo.
Com o novo caimento, o teto ficou mais baixo. Para este repórter de 1,70 m de altura não chega a incomodar. Pena que o assoalho tem uma espécie de túnel central, quando esperávamos um fundo liso em um carro elétrico.
E tem o preço: o C40 é exatamente R$ 20 mil mais caro do que o XC40.
Como no XC40, o C40 traz um motor de 204 cv em cada eixo, com potência combinada de impressionantes 408 cv. O torque máximo é de 67,3 kgfm. É o mesmo conjunto usado também no chinês Polestar 2. Seu sistema de tração integral sempre manda a mesma quantidade de força para a dianteira e a traseira, não havendo como alterar essa distribuição.
O motorista pode - e deve - usar a função one pedal, que aumenta a regeneração de energia e praticamente dispensa o uso do pedal do freio. Funciona muito bem e de forma suave. Mas sentimos muita falta de uma tecla no console para ativar e desativar o modo one pedal. Para fazer isso, temos que abrir três telas na central multimídia até chegar ao comando do modo de dirigir.
Praticamente todos os botões do painel foram eliminados, mas isso tem um inconveniente. Comandar o ar-condicionado, por exemplo, deixa de ser um ato instintivo e exige que o motorista desvie sua atenção por uns instantes. Tudo pede que se olhe a tela vertical, tipo tablet, de 9".
Não há sequer botão de partida. Entrou? O carro já está ligado e com seu painel digital futurista aceso. É pôr em Drive e andar.
Aí vem o paradoxo dos elétricos: temos 408 cv de potência, mas evitamos ao máximo acelerar forte para não descarregar rapidamente a bateria. O motorista acaba dirigindo meio lento, sempre tentando manter a bolinha do econômetro do meio para baixo.
Mas não se engane com o rodar absolutamente silencioso e os comandos um tanto anestesiados. Abriu uma brecha na pista e você tem que resolver uma situação qualquer no trânsito? É só pisar que o SUV cupê de 2,2 toneladas dará um salto hiperespacial. Isso é especialmente útil ao sair de uma agulha para uma pista de alta velocidade. Efeito imediato - viva o carro elétrico!
Tamanha disposição pode levar o C40 de 0 a 100 km/h em apenas 4,7 segundos. Como em outros Volvo modernos, sua máxima é limitada a 180 km/h.
E esse carro gosta de asfalto bom. Por duas vezes pegamos buracos (que nem eram tão fundos) e ouvimos uma pancada na suspensão dianteira, denotando seu curso curto.
O sistema de assistência semi autônoma dos Volvo atuais funciona muito bem, mesmo levando em conta as deficiências de sinalização e faixas de nossas vias. Assume direção, freio e acelerador, deixando o motorista mal acostumado...
Em um momento, contudo, o C40 se mostrou demasiadamente sueco (apesar de ser fabricado na Bélgica) para os modos brasileiros. Estávamos a uns 70 km/h pela Avenida das Américas, principal via da Barra da Tijuca. Nisso, veio um sujeito atravessando a movimentada pista, obviamente fora da faixa de pedestres...
O cara deu uma corridinha, atravessou a primeira faixa e parou sobre a divisão da pista seletiva dos ônibus BRT, esperando uma brecha no trânsito para terminar de cruzar a avenida. Deu aquele "drible" nos carros, muito comum no trânsito do Rio.
Só que os gnomos eletrônicos do Volvo não entenderam tanta ginga e pressentiram perigo. Para evitar qualquer risco de atropelamento, acionaram o freio automaticamente... e com muita vontade! Na movimentada Avenida das Américas, demos sorte de não levar uma pancada por trás. Ficou o susto diante de reação tão brusca.
Por outro lado, as câmeras indispensáveis à assistência semi autônoma também servem para dar uma visão de 360 graus do carro em full HD. E isso acontece não apenas quando se engata a ré, mas também quando se está em baixa velocidade numa rua cheia de obstáculos.
Segundo quem trabalha com os Volvo elétricos, um wallbox doméstico leva oito ou nove horas para carregar a bateria. Com um disjuntor doméstico trifásico (220 volts), seriam entre 10 e 12 horas. O conector é de cinco pinos - se for numa estação de carregamento rápido, de sete pinos, a carga leva 50 minutos (os dois buracos extras para conexão ficam cobertos por uma tampa plástica).
Na prática, o C40 é um carro para percorrer até 400 km entre as recargas. E isso, é claro, dependerá muito do pé do motorista.
Como dissemos lá em cima, pegamos o C40 com 64% de carga - e não tínhamos como deixá-lo na tomada à noite. Em teoria, isso nos garantia um alcance de 180 km e seria mais do que suficiente para um bate e volta de 140 km até a casa do tio, no município vizinho de Seropédica.
Mas ainda é impossível evitar a "range anxiety", ansiedade de autonomia que acomete muita gente ao dirigir um carro elétrico. É uma sensação semelhante à de sair de casa por muitas horas sem o carregador do celular. Daí que o assistente de autonomia se torna o principal instrumento do painel.
Da concessionária até a porta de casa, com um pequeno desvio para fazer as fotos, foram 20 quilômetros. No sábado, dia em que iríamos à casa do tio, tivemos que fazer umas comprinhas no Cadeg (Centro de Abastecimento do Estado da Guanabara, o mercado municipal do Rio) - e percorremos mais 14 km.
Até aí havíamos rodado 34 km, mas nossa estimativa de autonomia havia baixado de 180 para 160 km. Um sinal de que estávamos dirigindo de forma econômica. A carga da bateria, contudo, havia caído de 64% para 52%. Bateu a ansiedade novamente.
A parte boa é que a Cadeg tem um eletroposto, com painéis solares, voltado principalmente para caminhões. São dois conectores: um de 380 volts só para veículos pesados, e outro, de 220 volts, para veículos leves. Renato, o motorista de um caminhão de lixo BYD, fez as honras da casa abrindo passagem para o C40.
Depois de 40 minutos e com as compras feitas, a carga da bateria tinha subido apenas de 52% para 57%. "Bom... o melhor é almoçar por aqui mesmo e dar mais um tempinho..." Eis a vantagem de se oferecer um ponto de recarga grátis de carros elétricos em um estabelecimento comercial.
Depois de duas horas no eletroposto, a carga chegou a 71%, com autonomia estimada de 220 km. A essa altura, porém, já havíamos desistido de ir na casa do tio. O encontro familiar ficou para o dia seguinte, domingo, em um restaurante a 50 km de casa.
Chegou a segunda-feira, dia de devolver o C40. Ao todo rodamos 183 km em uso predominantemente urbano e entregamos o carro com 33% de carga na bateria. O computador de bordo indicou uma média de consumo de 19,1 kWh por 100 quilômetros.
Nossa convivência com o C40 poderia ter sido bem melhor se tivéssemos um wallbox na garagem, ou se fosse fácil encontrar pontos de recarga rápida por aí (80% da bateria em 50 minutos). Mas fato é que os elétricos hoje são a prioridade da Volvo. A marca prevê que, dentro de três anos, 50% das vendas serão de modelos totalmente elétricos.
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