O pedido não era nada convencional: acompanhar um BYD D1 que nem havia sido lançado no Brasil efetivamente em uma jornada que poucos donos de carros elétricos fazem. A ideia era sair de Campinas (SP), sede da marca, até Belo Horizonte (MG). São quase 700 km entre as cidades e, saindo do estado de São Paulo, a estrutura de recarga é bem menor.
Menos convencional ainda: o Inside EVs foi convidado para acompanhar uma equipe de vendas corporativas da BYD que estava levando o D1 até a capital mineira com intuito de entregá-lo para a Localiza, empresa de locação de veículos e terceirização de frotas sediada por lá. Não era um evento de lançamento, não havia carro de apoio e muito menos um plano B. O BYD D1 teria que chegar lá com as próprias pernas - ou baterias - e ponto final. E como e não falo não para uma aventura, embarquei na viagem e conto para vocês como tudo aconteceu neste relato.
Lançado recentemente na China, inicialmente para o serviço de mobilidade local Didi Chuxing, um dos principais rivais internacionais do Uber, o carro elétrico D1 é na verdade um monovolume. Pense nele como algo entre um Honda Fit e uma Chevrolet Meriva. O modelo desembarca no Brasil com foco nas vendas corporativas, então esta experiência é ainda mais importante. A BYD até quer oferecê-lo ao público convencional, mas não tem data para isso. Até lá, será mais fácil você andar de carona no D1 do que dirigi-lo de fato.
Em termos de especificações, o BYD D1 mede 4.390 mm de comprimento, 1.850 mm de largura e 1.650 mm de altura, enquanto o entre-eixos é de bons 2.800 mm. O motor elétrico entrega 130 cv de potência e 18,3 kgfm de torque máximo e a velocidade máxima é limitada em 130 km/h. As baterias de lâmina com 53,4 kWh de capacidade garantem autonomia para 371 km com uma carga pelo ciclo WLTP. Usando uma mescla de lítio e fosfato de ferro (LiFePo), são mais finas e compridas, além de mais resistentes a explosões por perfuração ou excesso de temperatura.
Por ainda não ter planejamento para comercialização geral, a BYD também não tem um preço público sugerido para o D1 no Brasil. A expectativa da marca é de que este valor fique entre R$ 260 mil e R$ 270 mil, mas para clientes corporativos também pode haver descontos adicionais.
O BYD D1 em específico que estávamos levando para Belo Horizonte estava bem recheado de itens de série, pois contava com ar-condicionado digital de 2 zonas, acendimento automático dos faróis, 2 modos de condução, central multimídia, câmera de ré e controle de cruzeiro adaptativo por radar.
A grande estrela do D1 no entanto, vem na porta traseira direita. Ela é corrediça e tem acionamento elétrico. Tanto o motorista quanto o próprio passageiro podem abri-la por um botão. Sabendo que a BYD pensou o carro com o intuito primário de atender motoristas de aplicativos, é uma das sacadas mais inteligentes de todo o carro.
Falando nisso, o banco traseiro do D1 parece ter sido o ponto focal do desenvolvimento do carro. Espaçoso, permite a acomodação de 3 passageiros adultos sem apertos. Na viagem cheguei a andar com as pernas cruzadas, mesmo com o banco da frente regulado todo para trás. O formato mais similar ao de um monovolume também garante espaço para as cabeças. As costas dos bancos dianteiros trazem cubículos para colocar lenços de papel, além de dois porta-copos, duas tomadas USB e um gancho para sacolas.
O bom da plataforma elétrica do BYD D1 é que o carro é esparramado, com as rodas quase nas extremidades do veículo. Daí vem o grande espaço para os passageiros. Reparem nas portas: as traseiras são bem mais compridas que as dianteiras. Mas isso não significa um porta-malas pequeno. A BYD não divulgou a litragem exata, mas a abertura é ampla e o assoalho é baixo. Lembrou muito o bagageiro de um Honda Fit, que era grande.
A equipe da BYD saiu de Campinas e me buscou em casa, na Zona Noroeste da capital paulista. Viajaríamos em três adultos e bagagens de mão. O caminho entre São Paulo e Belo Horizonte, pela Rodovia Fernão Dias, é repleto de subidas e muito sinuoso. Desde o início já sabíamos que o D1 e, sendo franco, nenhum carro elétrico conseguiria fazer todo este trajeto sem parar para recarregar.
Logo fui incumbido com a primeira perna do trajeto, até a cidade de Mairiporã (SP), a última no caminho a contar com um carregador rápido. A porta traseira de correr é um grande barato, mas eu estava no banco do motorista. Como é um carro pensado para o trabalho, a cabine agradou. O acabamento é honesto, sem luxos, mas ergonômico e confortável, impressão que é amplificada pela cabine arejada e de certo modo minimalista.
Tirando o console central com alguns botões, as funções ficam concentradas na grande central multimídia. Ela ainda não tem Android Auto ou Apple Car Play, upgrade que a BYD deve fazer para seus carros apenas em setembro. No entanto, também apareceu a primeira decepção: o painel de instrumentos era digital e colorido, só sua tela era pouco maior que a de um smartwatch. O velocímetro até era legível, mas o restante, como os alertas de erros, nível de carga e luzes espia exigem tirar os olhos da estrada para ver com nitidez.
No trajeto ainda dentro da capital paulista, o BYD D1 se mostra em seu habitat natural. Bem isolado, traz uma condução tranquila e abafando bem os ruídos externos. Como seu motor elétrico não tem números astronômicos de potência, não causa a estranheza de outros modelos movidos por baterias, que podem assustar com a aceleração imediata em um primeiro contato.
Começando o trecho de serra da Fernão Dias, mesmo não sendo super rápido, a disposição extra do conjunto motriz elétrico permitiu ao D1 não só manter o ritmo dos demais veículos, como realizar ultrapassagens com segurança, mesmo nas subidas e estando carregado. O conforto da suspensão que ficou evidente na cidade mostra outra face na estrada, o com o BYD mostrando rolamento perceptível nas curvas. Em ondulações, a suspensão demora mais para absorver os movimentos verticais. Ou seja, como bom carro focado em conforto, além de uso urbano, na estrada e em velocidades altas, o D1 "flutua" como um sedã de luxo.
A primeira parada em Mairiporã foi em um ponto de recarga que tinha tanto tomadas de 7 kW e corrente alternada (AC) quanto uma de 50 kW de corrente contínua (DC). No entanto, a mais rápida já estava ocupada e o D1 ficou cerca de 1h na mais lenta. Nesse tempo, recuperou 15% e chegando a cerca de 62% de carga total nas baterias. Depois de liberar a tomada de 50 kW, ficamos mais 20 minutos nela e a carga chegou a 97%.
No segundo trecho, até Três Corações (MG), fui no banco traseiro. Fica claro que o foco da BYD com o D1 também incluiu os clientes dos aplicativos de mobilidade. Fez falta um encosto de braço, mas é algo que só se sente falta na estrada. Trecho curtos fazem proveito do grande espaço interno. Mesmo em velocidades mais altas e sem o pequeno tampão interno do bagageiro, não ruídos incômodos como é comum reverberar nos porta-malas de carros de entrada.
Na estrada, com ar-condicionado ligado e carregado, era óbvio que o D1 não ia atingir os 371 km de autonomia declaradas. Chegamos até Três Corações após 264 km com 14% de carga. Mas aí a falta de estrutura de recarga no interior do Brasil mostrou sua cara. Usamos um aplicativo que mostra os pontos de recarga disponível. O único na cidade mineira era de 7 kW e quase não o encontramos à noite. Ele ficava atrás de um estacionamento, que ficava atrás de um matagal, que estava atrás de um restaurante na beira da estrada, literalmente.
Lá, o carro apontava que uma carga completa levaria cerca de 7 horas e meia. Sem internet no celular, ligamos para o hotel onde passaríamos a noite e pedimos um táxi. Mas fosse esse carregador um do tipo rápido (de 50 kW ou mais), poderíamos completar a jornada no mesmo dia. E como problema pouco é bobagem, o próximo carregador ficava a 294 km. Ou seja, carga agora só em Belo Horizonte e a capital mineira também não tem carregadores com mais de 7 kW de potência.
Dessa vez fui guiando e alternando entre os modos Eco e Sport, os dois disponíveis no D1. A diferença entre eles era pequena: apenas a resposta do acelerador muda. O limite de velocidade da Fernão Dias neste trecho variava entre 80 km/h e 110 km/h e é aí que se vê a diferença de gasto de energia. A 80 km/h no plano, o motor utilizava 8 kW. A 110 km/h, já precisava de 22 kW ou mais.
O principal medo era ficar sem bateria antes de chegar a BH, pois a Fernão Dias continua sinuosa e em aclive até a capital mineira e o último trecho era consideravelmente maior que o anterior. Porém, conseguimos chegar em nosso destino, em um shopping daquela cidade, após os 294 km rodados ainda com 13% de carga nas baterias. Nesta viagem, a média de consumo do BYD D1 apontado pelo computador de bordo foi de 17,2 kWh/100 km, ou 5,81 km/kWh.
No final do dia, ou dias, o BYD D1 impressionou. Pensado como carro urbano, encarou um grande trecho de estada sem pestanejar, com desempenho mais que adequado e conforto de sobra. Só faltou um carregador rápido na região de Três Corações para que esta viagem entre São Paulo e Belo Horizonte fosse feita em um dia, como em um carro normal. Mas não é o caso e se o carregador que usamos no meio do caminho estivesse quebrado ou indisponível, completaríamos ao menos um trecho de guincho.
Agora o BYD D1 que levamos até a capital mineira está à disposição da Localiza, que neste momento está realizando testes de rodagem com o carro com o intuito de estudar a possibilidade de integrá-lo à sua frota. Vale lembrar que é uma das empresas que mais compra carro no Brasil e seu impacto ambiental também é elevado. Um elétrico poderia ter um grande impacto positivo e sua rival, a Movida, já tem elétricos na frota.
Isso escancara mais uma vez a falta de investimento na estrutura de carregamento. Fora dos grandes centros, é escassa, lenta e nem sempre funciona. Para o D1, não precisaria ser nem um super carregador de 350 kW. Um de 50 kW já completaria uma carga no tempo de uma refeição e a viagem de carro elétrico seria quase tão normal quanto em qualquer veículo. Hoje, ainda é aventura.
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